Abro hoje a minha caixa de e-mails e me deparo com um convite para um encontro que, em seu cabeçalho, tem a letra inteira da música do Gonzaguinha, “Eu acredito é na rapaziada”. Paro, leio, releio a estrofe que diz: “Eu acredito é na rapaziada que segue em frente e segura o rojão. Eu ponho fé é na fé da moçada que não foge da fera e enfrenta o leão. Eu vou à luta com essa juventude que não corre da raia a troco de nada. Eu vou no bloco dessa mocidade que não tá na saudade e constrói a manhã desejada”. Penso no privilégio que tenho de ser pastor nessa geração.
Ao contrário do que muitos de nós pensamos, religião e espiritualidade são palavras que estão na pauta da moçada e que ocupam espaço de muita relevância em suas agendas. Gastam tempo com leitura nessas áreas, consultam horóscopo, possuem programas de TV e uma linha editorial específica sobre essa temática, preocupam-se com o transcendente, com o invisível. A pergunta é, nós, evangélicos tradicionais históricos, consideramos isso algo importante e estratégico para nossa pastoral contemporânea? A juventude que acredita e procura pelo transcendente encontra resposta em nossa pregação e em nosso modus operandi ou, no mínimo, acolhimento para suas questões?
Conheço muitos exemplos em que a resposta seria sim, muitos outros cuja resposta seria não. Juventude ativa, sem apoio institucional, colocará seu potencial à serviço de algum ideal, mesmo que tal seja marginal ou egoísta. Juventude ativa, capitalizada pela instituição, será a massa crítica e potencial de crescimento, expansão, inserção e capilarização social, transformação de estruturas e aculturação, no melhor sentido da palavra.
Por incrível que pareça mesmo quando não acolhida, a juventude ainda acredita nas instituições, luta por elas e tenta construir à partir de suas bases novas possibilidades de atuação. Mas a juventude também é refém de descrédito por parte das instituições em geral.
Caminhemos por uma análise panorâmica de ambas:
Sobre a Juventude Cristã: uma visão panorâmica
Tenho a sensação de que nossa juventude cristã em geral, nada mais é do que um substrato da juventude como um todo. Cristão está mais para um adjetivo de segmento do que para algo que descreva uma outra forma de se viver. Isso tem implicações muito negativas, como por exemplo a falta de cosmovisão para se enxergar a vida à partir da perpectiva cristã; mas também pontos positivos como a inserção em todos os segmentos da sociedade.
Três de minhas principais preocupações estão nos âmbitos do caráter, da devoção e do senso de missão.
1. Caráter – com a relativização ética, a privatização das atitudes e a vontade de prevalecer, os jovens minimizam a importância da irrepreensibilidade do caráter e escolhem baseados no prazer e nos benefícios imediatos;
2. Devoção – com a agenda cheia do urgente, perdeu-se a disciplina das coisas fundamentais, dentre elas, a oração e a leitura bíblica. Os jovens até sabem como se portar de forma cristã mas perderam a beleza do relacionamento profundo e pessoal com a trindade;
3. Missão – como se escolhe o que vai se fazer pelo benefício pessoal, em vistas da acumulação de bens para uma vida estável, perdeu-se o senso de missão, baseado na vocação, que é aquilo que fomos chamados a ser e fazer nesse mundo. Daí investe-se a vida e especializa-se em coisas que vão consumir todos os esforços, mas não gerarão mudança comunitária e nem contentamento pessoal.
Sobre as Instituições Cristãs: uma visão panorâmica
Acredito nas instituições. Não gosto de movimentos que parecem progressistas, com bandeiras atraentes como “Mais Jesus e menos religião” ou “sou crente apesar da Igreja” (como se fosse possível ser crente fora da comunidade), mas que são personalistas e desconhecedores da história e da tradição. Estamos longe do ideal de desinstitucionalização e a boa institucionalização é fundamental para se carregar as ideias na história, já que o homem enquanto personagem é muito transitório. Também penso que são três características principais que merecem nossa atenção.
1. Ensimesmamento – nos tornamos um segmento dentro da sociedade ao invés de apresentarmos a proposta de Cristo para a sociedade como um todo. Tal segmentação além de minimizar em muito o papel da instituição, faz com que a gestão da própria instituição seja o motivo dela existir. Esse ciclo de autogestão faz com que a instituição seja cerne e suas demandas girem em torno da manutenção de sua existência e não em vistas de um ideal ou propósito maior;
2. Enrigecimento – instituições vivem de rotinas e processos. Quando a manutenção de tais rotinas se torna o trabalho principal da organização, inicia-se o processo de enrigecimento que tem duas características básicas,a priorização dos processos em detrimento das pessoas e a manutenção de atividades que são claras mas que não têm propósitos claros, isto é, faz-se porque faz-se, faz-se porque sempre se fez. Isso evidencia-se de forma muito clara em nossa liturgia dominical, que atende muito mais à geração do século passado, com pouca tendência a desviar-se, do que a essa geração que, não sendo incluída em nosso programa ministerial e liturgia mais leve, tenderá à procurar uma outra instituição, senão, instituição nenhuma;
3. Segmentação – como organizações trabalham com nichos, existe a tendência natural de que se segmentem dos demais nichos para atender ao seu próprio. Em relação às instituições religiosas, isso pode ser muito perigoso. Se nosso chamado é o de nos inserirmos em todos os segmentos da sociedade, apresentando por meio de nossas vidas um novo (ou velho) projeto de como ser gente, de como se relacionar com os outros e de como ser sociedade, precisamos “des-segmentar” tanto nossa pastoral que, mais do que nunca, precisa ser multidisciplinar, quanto nosso projeto ministerial, que deve ser integral, conhecendo, dialogando com e influenciando todo tipo de estrutura.
Instituição é coisa. Não existem instituições boas ou ruins. Existem instituições com propósitos bons ou ruins, quadro de pessoas bom ou ruim, gestão boa ou ruim.
Em suma a instituição ainda merece crédito até mesmo por ser parte fundamental do processo social. Merece crédito por ser nosso instrumento de carregar de forma menos transitória e personalista a temática do que cremos e pregamos. Mas só merecerá esse crédito enquanto viver para além de si, incluindo toda gente, se renovando à luz do contexto e dos tempos e principalmente permanecendo fiel à nossa bandeira utópica de que todo ser deve ser como Cristo, toda relação como a da trindade e toda sociedade como o Reino de Deus.
Quanto aos jovens, eu, particularmente (e sei que não estou só) “acredito é na rapaziada”!!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário